Nunca fui a mais comportada das garotas. Nunca gostei de regras ou de lições de moral. Resolvi fazer da minha vida o melhor dos parques de diversão, utilizando de bebidas e drogas, pra tornar tudo mais fácil. Larguei a escola e a menina pura que havia em mim para viver a vida mais intensamente. Até que ele apareceu.
Eu estava em mais uma das incontáveis festas que freqüentava assiduamente quando de repente ele entrou. Cabelos pretos, altura média, desconectados e bagunçados. Olhos azuis penetrantes. Calça jeans, suéter preto, vans quadriculado. Ele não fazia parte daquele lugar. Mas porque estava ali?
Ele entrou se sentou no bar e falou algo com o garçom. Dirigi-me até lá também e sentei no banco ao seu lado. Pedi um ‘Sex on the Beach’, enquanto via o garçom entregar uma garrafa de água para ele.
- Água? Tem certeza que está no lugar certo?
- Sim.
Ele levantou os olhos azuis para mim e me olhou diretamente nos olhos. Diferente de todos os caras que eu conhecia ele não me olhou dos pés a cabeça, ou se dedicou a analisar meu decote, ele me olhou diretamente nos olhos, me trazendo uma paz incrível, como se com um simples olhar ele pudesse limpar minha alma, repleta de bebidas e loucuras.
- E você Clara, tem certeza que tudo isso aqui vale a pena?
- Como você sabe meu nome?
- Eu sei muito sobre você Clara. Acompanho seus passos desde o dia em que você resolveu direcioná-los para caminhos errados.
- Você é louco? Ou um psicopata qualquer? Só pode.
Levantei do banco levando meu drink comigo e fui para a pista de dança. Fiquei ali um tempo, até que olhei novamente para o bar e vi que o garoto não estava mais ali. Continuei dançando até que senti uma mão me puxando e me levando para fora da boate.
Tentei me desvencilhar, mas a pessoa me colocou sobre seu ombro e me levou até um carro. Fui jogada no banco de trás e logo após o motorista arrancou com o carro. Sentei-me no banco e quando olhei para o motorista vi que era o garoto do bar.
- Ei você é louco? Isso é um seqüestro ou quê garoto?
- Isso é uma pessoa tentando resgatar o que ainda há de bom em você Clara.
- Olha, se foram meus pais que te mandaram aqui, saiba que eu pouco me importo com eles e que no momento em que você me deixar em paz eu vou voltar a fazer tudo o que faço, e com prazer.
- Não, não foram seus pais que me mandaram Clara, eu vim por conta própria.
- Ahn. Posso ao menos saber seu nome? E para onde está me levando?
- Meu nome é Ariel. E você verá logo onde estamos indo.
Calei-me e fiquei na defensiva pronta para me jogar daquele carro caso algo não me agradasse. Alguns minutos depois ele parou o carro, saiu e abriu a porta para mim. Desci do carro e vi a minha frente uma casa antiga, com uma plaquinha na frente escrito: “Lar Céu Azul”
- O que é isso Ariel?
- Um orfanato.
- Porque me trouxe em um orfanato?
- Para você ver como é a vida de crianças que não tiveram as oportunidades que você teve.
Entrei no orfanato e vi diversas crianças correndo pelos corredores, algumas sentadas nos velhos sofás da casa e outras sentadas no chão, com alguns brinquedos velhos. Todas tinham olhares tristes e apesar de estarem juntos ali naquele lugar, pareciam incrivelmente solitários. Segui Ariel e ele se encaminhou para os fundos da casa onde tinham alguns balanços antigos. Ele se sentou em um e eu me sentei ao seu lado, no outro.
- Você, Clara, foi abençoada. Tem pais que te amam e que sempre te deram tudo, desde os melhores brinquedos do mundo aos melhores colégios. Sua casa é enorme e maravilhosa. Você tinha amigos incríveis, mas desperdiçou tudo isso por essa vida que vive agora. Drogas, bebidas, um garoto a cada noite. Você acha que isso é vida Clara?
- Eu... Ariel eu não era feliz! Eu tinha tudo, mas me faltava felicidade!
- E você é feliz agora?
- Não. Muito menos depois de ver essas crianças. Porque elas sofrem tanto?
- Porque elas não têm casa, não tem família. São completamente solitárias.
Olhei para a velha casa e senti uma lágrima escorrer do meu olho. É eu tinha tudo e não dei valor. Felicidade está nas pequenas coisas da vida, eu tinha a felicidade na minha frente e não enxerguei.
- Como você conhece essa casa Ariel?
- Eu cresci aqui. E vivo aqui até hoje.
Então ele era uma daquelas pessoas solitárias que viviam ali. Ele havia sido uma daquelas crianças tristes que eu via. Senti pena dele. E mais ainda de mim mesma. Mesmo crescendo sem alegria alguma ele conseguia ser mais humano que eu.
- Como você me conhece?
- Trabalho na Biblioteca do Colégio em que você estuda, mas não freqüenta. Desde que você decidiu jogar sua vida para o alto eu acompanho suas mudanças e torcia por você, para que voltasse ao que era. Uma menina doce, tranqüila e estudiosa. Mas já que você se recusou a fazê-lo sozinha, resolvi te ajudar.
- Porque eu? Existem tantas outras pessoas perdidas naquele colégio. Se você resolveu ajudar alguém porque não ajudou um deles?
- Porque você é importante pra mim de certa forma.
Olhei para ele e ele estava de cabeça baixa, corado. Ele gostava de mim então? Aquele garoto tímido, bom e completamente correto gostava de mim e de alguma forma eu havia ficado feliz com isso.
- Então eu espero que me perdoe. Por ter me tornado o que tornei e me ajude a voltar a ser o que era, a buscar minha paz e felicidade.
- Eu irei te ajudar. Claro que irei, é o que eu mais desejo.
Olhei para ele e sorri. Seus olhos azuis, puros e simples olharam para os meus cheios de arrependimento. Senti novamente aquela paz e tive certeza que ele poderia me ajudar. Ele queria e eu queria que ele me ajudasse. Sorri para ele, toquei levemente seu rosto e disse:
- Obrigada por não desistir de mim, meu Anjo.
P.S.: Créditos da Imagem